Este post vem a propósito de duas situações de que tive conhecimento que reflectem a noção ainda muito prevalente de que a intolerância ao glúten é uma doença infantil: num caso, uma médica dizia que um menino de seis anos não poderia ser celíaco pois isso era uma doença que aparecia até aos dois anos e noutro, outra médica dizia que um homem com 63 anos só muito dificilmente poderia ser diagnosticado como doente celíaco.
A intolerância ao glúten é mais fácil de diagnosticar na infância pois apresenta-se (ainda que cada vez menos) com sintomas-tipo: diarréia ou obstipação, irritabilidade, anemia, atraso no crescimento, abdómen dilatado. No entanto, há crianças que passam debaixo do radar ou porque têm sintomas atípicos, ou por ignorância médica, e tornam-se adultos doentes que irão receber vários diagnósticos. Chegados a certa idade, os sintomas agudizam e/ou encontram um médico informado e são diagnosticados.
Há ainda aqueles em que a intolerância ao glúten se activa mais tarde, por causa de uma infecção, uma cirurgia, um período de stress, ainda não se sabe porquê. Há uma teoria que defende que a manipulação genética do trigo das últimas décadas, para que este contenha mais glúten, contribui para o grande aumento de casos de intolerância ao glúten. A lógica é que pessoas que toleravam algum glúten deixam de tolerar quando a quantidade deste aumenta.
Independentemente disso, os médicos não podem por o diagnóstico de intolerância ao glúten de lado só porque o paciente tem mais de 18 anos. O artigo que trago é uma entrevista, publicada pelo Daily Mail, a um médico inglês que foi diagnosticado com doença celíaca aos 64 anos.
"Porque o médico da TV, Chris Steele, nunca mais vai comer pão: o especialista do programa This Morning conta como descobriu que tinha a doença celíaca
Imagem retirada da Net |
Há três meses atrás, o Dr. Chris Steele começava a temer que havia algo de seriamente errado com ele. No ecrã, o médico da TV continuou a dar conselhos com um sorriso, mas as suas aparições no programa This Morning foram-se tornando cada vez mais difíceis. Sentia-se permanentemente esgotado e, se não tivesse compromissos, ficaria na cama até ao meio-dia, quando, normalmente, saltava para fora desta às 5 horas da manhã. Ele ficava incapacitado com dores abdominais e tinha bastante diarreia e, para fazer o programa, tinha que tomar entre quatro a seis comprimidos anti-diarréia. Também estava a perder peso, apesar de comer normalmente.
No fundo, estava preocupado que pudesse ter cancro do intestino. Embora os sintomas estivessem a piorar,estava a sofrer de dores de estômago e a sentir-se cansado há mais de um ano. Em Outubro passado, semanas após a diarréia e a fadiga extrema terem começado, visitou o seu médico de família - como acontece com muitos médicos, ele acha difícil ser objectivo quando se trata da sua saúde. O seu médico encaminhou-o para um especialista que lhe diagnosticou Síndrome do Intestino Irritável (SII) - uma condição desagradável, mas não fatal. O Dr. Chris, 64 anos, ficou muito tranquilo com isso.
"Na época, o diagnóstico fazia todo o sentido", diz o médico, casado e pai de quatro filhos, de Manchester. “Apesar de, olhando para trás, eu não ter inchaço, como muitas pessoas com SII têm - e cansaço não ser um sintoma típico. Estava apenas feliz de ter alguns medicamentos para isto, pois os sintomas estavam a fazer da minha vida uma miséria. O pior de tudo era que, às vezes, eu não tinha controlo sobre as minhas entranhas, e, uma vez, fui apanhado de surpresa na estação de comboios de Manchester. Foi a experiência mais humilhante e embaraçosa da minha vida. Por sorte, um taxista teve pena de mim e levou-me para casa, mas eu senti-me mesmo desconfortável ao contar à minha esposa. Isso afectou a minha auto-confiança e passei a verificar onde estavam as casas de banho sempre que saía. "
O Dr. Chris, como é carinhosamente conhecido, passou a tomar o medicamento Colpermin, para o SII, que relaxa o intestino e ajuda a parar os espasmos dolorosos. Mas este não fez nada para melhorar os seus sintomas. "Estava a ficar preocupado porque esperava que isto me ajudasse, pelo menos, um pouco", diz ele. "Comecei a pensar sobre o cancro do intestino novamente, pois todos já lemos sobre alguém que foi mal diagnosticado com SII”. Passadas algumas semanas, voltou ao especialista que executou uma análise de sangue para verificar se havia doença celíaca. Esta é uma sensibilidade ao glúten, a proteína encontrada no trigo, cevada e centeio. Dentro de 24 horas, os resultados deram positivo. O diagnóstico inicial de SII estava errado.
É um diagnóstico comum. Na verdade, o Dr. Chris teve sorte - a maioria dos celíacos têm que esperar, em média, 13 anos para obter um diagnóstico preciso, a partir da data em que experimentam os sintomas pela primeira vez. A doença celíaca afecta à volta de 600.000 britânicos. A ONG Coeliac UK estima que há mais meio milhão à procura de diagnóstico, ou mal diagnosticados.
Muitas pessoas pensam que a doença celíaca é uma alergia ao trigo. Na verdade, é uma condição auto-imune que faz o corpo começar a atacar-se quando os pacientes ingerem glúten, o que provoca anticorpos que fazem com que o revestimento do intestino inflame, causando dor abdominal. Após algum tempo, esta inflamação destrói as vilosidades – os minúsculos “dedos” na parede do intestino que absorvem os nutrientes dos alimentos. Sem isso, os nutrientes não podem ser bem digeridos. Se não for diagnosticada, muitas pessoas mostram sinais de desnutrição ou desenvolvem osteoporose, porque o corpo não absorve a quantidade de cálcio adequada ou vitamina D. É a incapacidade do organismo em absorver gordura correctamente que provoca fezes amolecidas.
É preciso uma predisposição genética para desenvolver a doença, mas o que a desencadeia é incerto. Alguns desenvolvem-na enquanto bebés assim que são desmamados e começam a comer glúten. A maioria tende a ter seus primeiros sintomas na vida adulta, quando começa, por vezes, depois de um surto de gastroenterite ou um período de stress. A experiência do Dr. Chris convenceu-o de que a profissão médica é muito rápida a fazer um diagnóstico de SII. "Não existe um teste para isso e quando alguém tem diarréia ou dor abdominal, é um diagnóstico fácil de fazer. Eu sou, talvez, culpado disso mesmo e a ironia adicional é que tenho sido um embaixador da Coeliac UK nos últimos três anos. "
Um problema é que nem todos os médicos de família estão cientes do que procurar. "Um dos sintomas mais comuns que vejo entre as pessoas com doença celíaca é a fadiga extrema", diz o professor Peter Howdle, gastrenterologista consultor que, até recentemente, dirigia uma Clínica de Doença Celíaca no Hospital Universitário de St. James, em Leeds. "Isso porque não absorvem o ferro, logo são anémicos. Mas os médicos de família são ensinados que a doença celíaca é uma doença do intestino, logo, a menos que haja sintomas intestinais, eles não a consideram. " Como no caso do Dr. Chris, a doença pode ser diagnosticada com um exame de sangue. Este fez depois uma biópsia ao intestino, que revelou que a maior parte das vilosidades havia sido exterminada.
Ele acha que deve ter tido esta condição durante anos, sem saber - especialmente porque, através de um raio-X, descobriu que também tinha o início de osteoporose na espinha, um sinal de deficiência de cálcio de longo prazo. "Eu acho que os sintomas vieram gradualmente durante muito tempo, mas só quando tive os problemas intestinais é que prestei atenção", diz ele. "Fiquei bastante surpreso ao ser informado aos 64 anos que tinha a doença celíaca, e totalmente surpreso em saber que tinha osteoporose - não tenho historial familiar disso. "Um sintoma pode ser fezes que flutuam - este é um sinal de que não se absorve a gordura adequadamente. “As minhas foram assim durante anos, mas eu ignorei. No entanto, estou preocupado que muitas pessoas continuarão a sofrer, pois não vão dizer ao seu médico de família "você está errado".
"As pessoas podem-se sentir muito melhor apenas com uma simples mudança de dieta. Alguns medicamentos para ajudar no SII contêm glúten, o que irá torná-las mais doentes. Gostaria de exortar as pessoas com SII para pedirem aos seus médicos - educadamente - se podem fazer um teste para a doença celíaca". O diagnóstico precoce é vital, pois além de osteoporose, a doença celíaca pode aumentar o risco de cancro do intestino e causar problemas de infertilidade. Ao contrário da crença popular, a maioria das pessoas que recebe o diagnóstico não são muito jovens, ao invés, têm idades entre os 44 e 55 anos, e nem todos têm sintomas intestinais.
O Dr. Chris está à espera que os seus filhos, agora entre os 20 e 30 anos, façam o teste. "Eu sei que, muitas vezes, há um elemento genético", diz ele. "Um dos meus filhos, o Andrew, é um atleta olímpico e se tiver DC, isso pode fazer toda a diferença no seu desempenho. Em Pequim, ele acabou por não ganhar uma medalha. "
Com uma dieta livre de glúten, os pacientes começam a sentir-se melhor dentro de um mês e as vilosidades podem voltar a crescer no prazo de um ano. No entanto, o Dr. Chris acha fácil fugir à dieta. “Em casa, está tudo bem. A minha esposa cozinha, e eu como muitos legumes, batatas, peixe e aves. Mas, quando estou fora, acho difícil." Na semana passada, viu-se preso num comboio durante cinco horas e comeu um pedaço de pão - mas pagou caro por isso. "Na manhã seguinte, tive uma diarréia terrível e senti-me tão fraco que não podia subir para o escritório situado no sotão da minha casa - era uma questão de dar 14 passos. Nesse momento, aprendi a minha lição ".
Outros artigos:
2 comentários:
Eu descobri a doença celiaca aos 27 anos. Comecei a passar mal e em menos de 2 meses fui diagnosticada. Mas anteriormente, nunca tive nenhum problema.
Teoricamente é uma doença genetica tbm, mas não há nenhum caso nos meus ascendentes nem partenos e nem maternos.
Mistérios da natureza.
Exacto, um mistério, nem os cientistas sabem muito bem porque despoleta nuns e noutros não... há ainda aqueles que têm sintomas óbvios e ninguém diagnostica e depois aqueles que nunca tiveram sintomas, fazem um rastreio por qualquer motivo e acusam positivo. Por isso é que quando se descobre um caso na família os parentes directos devem fazer os exames... porque nunca se sabe com a intolerância ao glúten. Não admira a dificuldade em obter um diagnóstico :-)
Enviar um comentário