Um fenómeno que tenho vindo a notar é o aumento do número de pessoas com um diagnóstico de sensibilidade não-celíaca ao glúten (SNCG). Com um sub-diagnóstico de doença celíaca, seria de esperar que fosse esta a ser mais diagnosticada, visto que a SNCG é um diagnóstico desconhecido da maior parte da comunidade médica.
Sendo uma condição da qual ainda pouco se sabe, preconizou-se que o diagnóstico da mesma seria feito quando se tivessem esgotado os exames de rastreio para doença celíaca e alergia ao glúten com resultados negativos, com remissão de sintomas após início de dieta isenta de glúten.
O que se passa, contudo, é que muitas pessoas, ou por pesquisa na Internet ou dica de alguém, e fartas de médicos que não lhes dão respostas, iniciam uma dieta sem glúten por iniciativa própria e obtém bons resultados. Ou então vão a um praticante de terapias alternativas ou a um nutricionista e este aconselha a retirada do glúten; com o desaparecimento dos sintomas, é-lhes feito um diagnóstico de SNCG. Ora, isto é que não pode ser.
Algumas destas pessoas podem ser, na realidade, doentes celíacas e, ainda que o tratamento final seja igual em ambas as condições, o seguimento e o prognóstico são diferentes, pelo que importa fazer a distinção. Além de que, a nível prático, um diagnóstico de doença celíaca traz benefícios a nível de IRS e segurança social que a SNCG ainda não traz.
O problema é que, para fazer o rastreio para doença celíaca, é preciso estar a ingerir glúten, e muitos destes indivíduos sentem-se tão bem com a dieta que não querem arriscar deixá-la com receio do regresso dos sintomas. Logo, ficam numa espécie de limbo, sem diagnóstico real e, ainda que haja pessoas que vivem bem com esta indefinição, outras nem por isso.
Sendo assim, se achar que tem um problema com o glúten ou alguém lhe aconselhou uma dieta sem esta proteína, faça primeiro o despiste de doença celíaca e alergia ao glúten. Não pense que os sintomas que tem são leves, logo incompatíveis com doença celíaca (não há graus de gravidade entre as condições associadas ao glúten, pode-se ser um celíaco assintomático, assim como se pode ter SNCG com graves repercussões na saúde). Recordando, os exames para rastreio de doença celíaca devem ser: análises clínicas (IgA Total, Ac Anti-transglutaminase IgA, Ac Anti-endomísio IgA, Ac Anti-péptidos Deaminados IgG), endoscopia digestiva alta com biópsia duodenal e, por fim, análise genética para os alelos HLA-DQ2/8.
O recente estudo australiano que trago hoje aborda esta situação.
"Caracterização de adultos com um auto-diagnóstico de sensibilidade não-celíaca ao glúten
Antecedentes: a sensibilidade não celíaca ao glúten (SNCG) que ocorre em pacientes sem doença celíaca, mas cujos sintomas gastrointestinais
melhoram com uma dieta isenta de glúten (DIG), é, em grande parte, um auto-diagnóstico
que parece ser muito comum. Os objetivos deste estudo foram caracterizar os
pacientes que acreditam ter SNCG.
Materiais e Métodos: a publicidade ao estudo foi
direccionada para os adultos que acreditavam ter SNCG e que estavam dispostos a
participar de um ensaio clínico. Os entrevistados foram convidados a preencher
um questionário sobre os seus sintomas, dieta e exames médicos.
Resultados: Dos 248 entrevistados, 147 terminaram o
inquérito. A média de idade foi de 43,5 anos, e 130 eram mulheres. Setenta e
dois por cento não satisfaziam os critérios para o diagnóstico de NCGS, devido
à exclusão inadequada de doença celíaca (62%), sintomas persistentes apesar da
restrição de glúten (24 %), e não cumprimento da DIG (27 %), por si só ou em
combinação. A DIG foi iniciada por iniciativa própria em 44% dos entrevistados;
noutros entrevistados, foi prescrita por profissionais de saúde alternativa
(21%), nutricionistas (19%) e médicos de clínica geral (16%). Nenhum rastreio à
doença celíaca tinha sido realizado em 15% dos respondentes. Dos 75
entrevistados que obtiveram biópsias duodenais, 29% não fazia ingestão ou fazia
uma ingestão inadequada de glúten no momento da endoscopia. Uma inadequada investigação
à doença celíaca era comum se a DIG tivesse sido iniciada por conta própria (69%),
por profissionais de saúde alternativa (70%), clínicos gerais (46%), ou
nutricionistas (43%). Em 40 entrevistados que preenchiam os critérios para SNCG,
o seu conhecimento e adesão à DIG foram excelentes, e 65% identificaram outras
intolerâncias alimentares.
Conclusões: um pouco mais de 1 em cada 4 entrevistados com
auto-diagnóstico de SNCG cumpriam os critérios para o seu diagnóstico. O início
de uma DIG sem exclusão adequada da doença celíaca é comum. Em 1 em cada 4
participantes, os sintomas estão mal controlados, apesar de evitarem o glúten."
Obrigada pelo alerta! Realmente, é importante despistar DC antes da dieta; se tivesse iniciado a dieta antes de fazer o rastreio e tivesse sentido as melhorias que senti, não sei se tinha coragem de voltar ao glúten só para ter um diagnóstico...
ResponderEliminarComecei a dieta por conselho de uma nutricionista e pararam as diarreias que tinha, ao ler o que escreveu fiquei a pensar se serei celíaca. Por quanto tempo teria que comer glúten para fazer as análises?
ResponderEliminarCaro anónimo, essa é a questão do milhão de dólares... A comunidade médica diverge na resposta, não há um prazo certo, depende também do tempo que já passou desde o início da dieta, da restrição da mesma e do tempo que está disposto a aguentar os sintomas da ingestão do glúten. No entanto, o prazo mínimo que vejo mais referenciado são 6 semanas a ingerir, pelo menos, uma fatia de pão com glúten por dia.
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