Mais um excelente texto informativo da Jess do blog The
Celiac Patient: com este novo post, a autora continua o seu relato do workshop que
fez no University of Chicago Celiac Disease Center e traz novidades em
relação à interpretação da biópsia duodenal para diagnóstico desta condição.
Até recentemente, e ainda agora para muitos médicos, o
diagnóstico de doença celíaca só se fazia com uma biópsia de grau 3 na escala
de Marsh, ou seja, com atrofia total das vilosidades duodenais. Recentemente,
começou a aceitar-se que um grau de Marsh 1, que representa vilosidades normais
mas infiltração de linfócitos na mucosa intestinal, ie, uma duodenite, uma
inflamação do duodeno, é a fase inicial de doença celíaca e, como tal, na
presença deste achado, se deve declarar o diagnóstico.
O investigador que conduziu este workshop em particular, o
Dr. John Hart, aponta nesse sentido, desde que o Marsh 1 seja acompanhado de
anticorpos elevados da doença celíaca. Sem análises positivas, deve-se
despistar a duodenite por outras causas, especialmente se houver o consumo de
certos medicamentos. No entanto, isto representa um avanço para todos aqueles
que se viram perante um achado “menor” de linfócitos aumentados e, por isso, um
parecer negativo para doença celíaca quando esse seria o diagnóstico correcto.
Em relação ainda ao tema da biópsia, convém lembrar que um
relatório de biópsia em que apareça apenas “sem alterações significativas” não
está bem feito. Um relatório para despiste de doença celíaca deve incluir a
classificação segundo a escala de Marsh, com um estudo imunohistoquímico e
devida contagem de linfócitos intraepiteliais (mais de 25 linfócitos por 100
células epiteliais atribui grau 1). Se o vosso relatório ou o de alguém que
conheçam não continha estes apontamentos, não podem afastar o diagnóstico de
doença celíaca. Fica um excerto do post em questão.
Patologia da Doença Celíaca
O Dr. Hart começou a sua palestra descrevendo a diferença
entre os resultados "clássicos" vs. "novos" da biópsia na
doença celíaca.
Os achados clássicos da biópsia na doença celíaca incluem
atrofia total das vilosidades (achatamento ou embotamento das vilosidades ao
longo do duodeno), células inflamatórias, aumento dos linfócitos intra-epiteliais
(LIE) e criptas alongadas.
Contudo, nos últimos anos demonstrou-se que os pacientes com
doença celíaca podem ter a mucosa intestinal totalmente normal (sem atrofia das
vilosidades), com apenas um aumento de LIE (Marsh 1). No passado, estes pacientes
com Marsh 1 não teriam sido diagnosticados com a doença celíaca.
O Dr. Hart afirmou que pacientes com anticorpos celíacos
anormalmente elevados (TTG IgA) e Marsh 1 (aumento de LIE) ou têm doença
celíaca ou doença de Crohn. O anticorpo anti-endomísio pode ser utilizado para
diferenciar entre as duas-será elevado em casos de doença celíaca e normal em
Crohn. Não existem outras doenças que causem um valor elevado de TTG IgA e um
grau de Marsh 1 na biópsia do intestino delgado.
Imagem retirada da Net |
Muitas biópsias para a doença celíaca são feitas de forma
incorreta. Devem ser retiradas pelo menos cinco amostras de tecido durante a
biópsia. Uma biópsia deverá ser do bulbo duodenal e quatro devem ser do duodeno
distal. Em 2% dos casos, o dano da doença celíaca está no bulbo duodenal apenas
(por isso, se este local não for investigado, o diagnóstico de doença celíaca
pode ser afastado).
O aumento de LIE, por si só, pode ser visto em muitas
doenças para além da doença celíaca. O diagnóstico diferencial para o aumento de
LIE inclui a doença de Crohn, infecção por giardia, supercrescimento bacteriano
no intestino delgado (SIBO), duodenite por H pylori, e uso de anti-inflamatórios
não esteroides (classe de drogas que inclui o ibuprofeno e naproxeno).
Além disso, certos medicamentos e outras doenças podem
causar atrofia das vilosidades o que imita o padrão "clássico" da
doença celíaca. O principal culpado é o olmesartan, um medicamento para a
pressão arterial. Losartan e micofenolato são outros. As doenças que causam o
embotamento das vilosidades incluem a imunodeficiência comum variável (ICV) e
enteropatia auto-imune. O Dr. Hart suspeita que muitos casos de doença celíaca seronegativa
(níveis de anticorpos celíacos normais mas biópsia anormal com atrofia das
vilosidades) estão relacionados com medicamentos. Sem rodeios, afirmou que a
doença celíaca seronegativa deve ser um diagnóstico de último recurso.
No final da palestra, perguntei ao Dr. Hart se havia alguma
janela de tempo em que a biópsia pudesse ser feita depois de um paciente começar
uma dieta sem glúten, mas sem ter de passar por uma provocação com glúten. A sua
resposta foi a de que, provavelmente, é bom que se faça uma biópsia no prazo de
duas semanas, com a ressalva de que a situação então ainda poderá estar turva.
Esta é a melhor resposta que já recebi a esta pergunta e aprecio que ele tenha
tido tempo para lhe responder."
Mais info:
Evolution of nonspecific duodenal lymphocytosis over 2 years of follow-up
Clinical and Immunologic Features of Ultra-short Celiac Disease
Mais info:
Evolution of nonspecific duodenal lymphocytosis over 2 years of follow-up
Clinical and Immunologic Features of Ultra-short Celiac Disease
Lucente, muito obrigada pela tradução. A dra Jess vai sempre ao âmago da questão e seria bom que muita gente lesse estes comentários. Uma biopsia duodenal é ainda imprescindível para o correcto diagnóstico de doença celíaca tal como uma correcta anamnese que muita gente parece andar esquecida!
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