quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O aumento da doença celíaca ainda surpreende os cientistas

O post de hoje traz um artigo do número actual da revista norte-americana Time e que reúne as pesquisas mais recentes feitas sobre os factores desencadeantes da doença celíaca, algo que já tinha sido abordado aqui. Por coincidência, ou talvez não, a revista New Yorker traz também no seu mais recente número um artigo muito interessante e longo sobre a mesma temática.

"O aumento da doença celíaca ainda surpreende os cientistas
Este é o seu intestino com glúten

Dois novos estudos no New England Journal of Medicine abalaram o mundo da investigação celíaca, ambos provando que os cientistas ainda têm um caminho a percorrer na sua compreensão da doença celíaca e que afecta cerca de 1% da população, quer eles saibam disso ou não.

Um estudo italiano perguntou se a idade em que o glúten é introduzido na dieta pode afectar a probabilidade de uma pessoa desenvolver esta doença auto-imune, pelo que mantiveram o glúten longe de recém-nascidos durante um ano. Para choque dos investigadores, atrasar a exposição ao glúten não fez diferença a longo prazo. Em alguns casos, atrasou o início da doença, mas não impediu as pessoas de a desenvolverem, para a qual não existe cura.

O segundo estudo, com cerca de mil crianças, introduziu pequenas quantidades de glúten nas dietas das crianças amamentadas, para ver se isto promovia uma tolerância ao glúten a posteriori, naquelas geneticamente predispostas à doença celíaca. Também não tiveram essa sorte. Embora ambos estudos tivessem sido excelentemente concebidos e executados, diz o Dr. Joseph A. Murray, professor de medicina e gastrenterologista da Mayo Clinic, em Rochester, foram cada um "um fracasso espectacular."

O que tem o glúten que leva tantas pessoas a contorcer-se de dor? Como poderia o inocente e antigo acto de partir o pão, ser tão problemático para alguns?

É uma pergunta a que os investigadores estão activamente a tentar responder. "Eu acho que a doença celíaca agora é mais uma questão de saúde pública", diz o Dr. Murray. Ele está a pesquisar a proteína do pão há mais de 20 anos e tem visto a incidência da doença celíaca aumentar dramaticamente; esta é quatro vezes mais comum do que era há 50 anos atrás, de acordo com a sua pesquisa, publicada na revista Gastroenterology. Mesmo que os métodos de sensibilização e testes tenham melhorado drasticamente, eles não podem, por si só, explicar o aumento, diz ele.

Cerca de 1% dos americanos têm doença celíaca, e é especialmente comum entre os caucasianos. Há uma forte componente genética, mas ainda não é evidente porque algumas pessoas desenvolvem esta doença e outras pessoas não. Parece afectar pessoas de todas as idades, mesmo que tenham comido trigo durante décadas. E não se pode culpar o aumento do consumo desse item; dados do USDA mostram que não estamos a comer mais disso.

Algo mais no meio ambiente deve ser o culpado, e teorias abundam sobre os possíveis factores, desde cesarianas ao uso excessivo de antibióticos, assim como a hipótese da higiene que sugere que, à medida que o nosso meio ambiente tornou-se mais limpo, o nosso sistema imunológico tem menos que fazer e por isso vira-se contra si próprio- e contra alimentos específicos como o glúten- como uma distração.

Ou talvez haja algo realmente diferente no glúten. A semente de trigo não mudou assim tanto, mas a forma como processamos e preparamos os produtos com glúten mudou sim, diz o Dr. Murray. "Houve alguns pequenos estudos que olharam para as antigas formas de panificação... E que sugeriram que estas não eram tão imunogénicas, não produziam uma resposta imune tão forte como acontece com técnicas de preparação de pão e grãos mais modernas", diz o Dr. Murray.

Um pequeno estudo de 2007 descobriu que o pão sourdough quando fermentado com bactérias, praticamente elimina o glúten, mas precisamos de muito mais pesquisas antes que os verdadeiramente alérgicos possam experimentar uma só fatia que seja.

O Dr. Alessio Fasano, director do Centro de Pesquisa Celíaca e chefe da divisão de gastrenterologia pediátrica e nutrição no Massachusetts General Hospital for Children, foi co-autor do estudo recente sobre a amamentação e o momento da introdução do glúten. Diz que achou os "importantes e imprevisíveis resultados” chocantes. A lição aprendida a partir desses estudos é que há algo para além do glúten no meio ambiente que pode eventualmente fazer tombar as pessoas geneticamente predispostas de tolerantes à resposta imune ao glúten, para desenvolverem a doença celíaca ", diz.

Ele suspeita que isto pode resultar da maneira como a dieta moderna, hiper-processada, influencia a composição das nossas bactérias intestinais. "Estas bactérias comem o que nós comemos", diz o Dr. Fasano. "Temos vindo a mudar radicalmente o nosso estilo de vida, especialmente a maneira como comemos, rápida demais para os nossos genes se adaptarem." O Dr. Fasano espera explorar o microbioma no seu próximo estudo, em que irá acompanhar crianças desde o nascimento e procurar uma assinatura no seu microbioma que preveja a activação dos genes avessos ao glúten, e que levam uma criança a desenvolver a doença celíaca. A esperança, então, é que com uma intervenção através do uso de probióticos ou prebióticos traga os problemáticos intestinos de "beligerantes para amigáveis."

"Isso seria o Santo Graal da medicina preventiva", diz."


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