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O artigo recente do jornal norte-americano Washington Post que trago hoje retrata uma realidade ainda distante em Portugal: o lado negro da dieta sem glúten, em que aqueles que fazem a dieta por motivos de saúde são ridicularizados e comparados aos adeptos das dietas da moda que a fazem (mal, na maior parte do tempo) porque sim. Esperemos que não chegue a tanto no nosso rectângulo de terra junto ao Atlântico.
"Começou a repercussão
contra a dieta sem glúten
As crescentes fileiras de americanos que adoptam dietas sem
glúten têm dado origem a uma outra tendência emergente: aquela das pessoas que
acham tudo isto uma patetice. (…)
David Klimas tem um amigo que, recentemente, passou a comer sem
glúten, um desenvolvimento que este agente imobiliário de 46 anos confirma
revirando os olhos. Ele acha que a moda da dieta sem glúten é apenas uma moda
passageira, promovida pelas empresas de alimentos "como uma forma de
ganhar dinheiro": "na década de 50, todos tinham úlceras", diz
ele. "Depois, foram os problemas nas costas. Agora, é o glúten."
A abstinência ao glúten tem crescido dramaticamente nos
últimos anos. De acordo com uma pesquisa do Grupo NPD, uma empresa de pesquisa
de mercado, quase um terço dos adultos dizem que estão a tentar eliminar ou
reduzir o glúten, uma combinação de proteínas encontrada no trigo e outros
grãos. Este movimento gerou uma indústria de alimentos em expansão no valor
de pelo menos 4 mil milhões de dólares e, talvez até, mais de 10 mil milhões -
e crescendo. Corredores inteiros nos supermercados são dedicados à dieta.
Cadeias de restaurantes, incluindo Bob Evans, Hooters e, impressionantemente,
Uno Pizzaria e Grill, oferecem menus sem glúten. Feiras dedicadas a produtos
sem glúten surgiram em todo o país. Bares usam ícones no menu para designar as cervejas
sem glúten.
(…)
Cerca de 1 por cento
da população americana sofre de doença celíaca, de acordo com a Fundação
Nacional para a Consciencialização Celíaca. Esta é uma doença confusa na qual o
consumo de glúten provoca danos no intestino delgado e interfere com a
capacidade do corpo para absorver vitaminas. Outras pessoas são sensíveis ao
glúten e têm reacções negativas ao consumi-lo, mas não têm doença celíaca. As
pessoas que têm doença celíaca são, muitas vezes, mal diagnosticadas até que a
causa dos seus problemas de saúde - que podem incluir problemas digestivos,
erupções cutâneas, fadiga, dores de cabeça e dor nas articulações - é
identificada. O único tratamento para a doença é desistir do glúten.
Tem havido um esforço concertado para aumentar a consciencialização
sobre a doença celíaca, para que aqueles que vivem sem o diagnóstico correcto
possam chegar ao fim do seu sofrimento. Mas algumas pessoas acreditam que este
impulso levou a que os recém-convertidos ao sem glúten acreditem que têm uma
doença que, na realidade, não têm. "Eu realmente acho que ele continua a
ler sobre o assunto e convenceu-se de que é intolerante ao glúten", disse
Klimas do seu amigo.
A reacção à dieta sem glúten chegou a um ponto alto no mês
passado, quando o comediante Jimmy Kimmel comentou no seu show de fim de noite
que, em Los Angeles, o glúten é "comparável ao satanismo", e enviou
uma equipa de filmagem para perguntar aqueles que fazem uma dieta sem glúten se
realmente sabiam o que é o glúten. (A maioria não sabia.) A apresentadora Chelsea
Handler e uma descontente Charlize Theron desconstruíram a questão ao vivo após
Handler ter enviado cupcakes sem
glúten aos seus amigos, onde se inclui Charlize Theron, durante as férias de Natal.
"Eu só acho que se vais enviar enviar um presente, que seja
agradável", reclamou Theron, que disse que os bolos sabiam "a papelão."
Daniel Leffler, director de pesquisa do Centro Celíaco no
Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston, disse que entre 2 a 3 milhões
de americanos relatam manter uma dieta isenta de glúten, e cerca de 10 por
cento desse grupo tem doença celíaca. O número de pessoas com a doença está a
aumentar - dobrando a cada 30 anos, em ritmo com outras doenças auto-imunes
como a diabetes tipo 1-, mas o crescimento dessa população é largamente
superado pelo aumento explosivo em pessoas que adoptam a dieta por outras
razões, incluindo a perda de peso. Isto levou a que Leffler chamasse a isto o
paradoxo sem glúten: "A maioria das pessoas que estão em dieta isenta de
glúten não têm doença celíaca, e a maioria das pessoas que têm a doença celíaca,
não sabem que a têm e não comem glúten."
(…)
Jessie Dankos, gestora
de bolsas de 24 anos de idade que vive em Arlington, Virgínia, sentiu-se mal
por uma mulher que recentemente encontrou num casamento que tem uma reacção tão
grave ao glúten que tem de verificar os rótulos do seu shampoo para ter a
certeza de que este não contém vestígios da substância. Mas Jessie Dankos tem
menos empatia pela sua colega de quarto que se auto-diagnosticou e que, por
vezes, olha ansiosamente para bolos e espera simpatia por não os poder comer.
"Mas, depois, às vezes, ela volta para casa dos bares e traz uma fatia de
pizza", diz.
(…) Hannah Glassman, disse que tentou eliminar o glúten da
sua dieta durante alguns meses. O seu nível de energia parecia melhorar, disse,
mas achou estranho não comer glúten em eventos sociais, como happy hours, onde as pessoas querem
compartilhar alguns fritos. Assim, ela tornou-se menos rigorosa e,
ocasionalmente, permite-se um pouco de glúten. Neste dia, escolheu uma salada
de massa para o almoço. "Provavelmente, vou estar um pouco cansada quando
voltar para o escritório", disse ela. "Mas é difícil dizer se é do
glúten ou do calor."
Shira Kraft, directora associada de Hemphill Fine Arts e
autora do Glutie Foodie, um blog que acompanha as suas aventuras
culinárias à volta da cidade, foi diagnosticada com a doença celíaca há quase
quatro anos. Ela diz que o movimento sem glúten tem sido uma faca de dois gumes
para as pessoas que têm a doença. Por um lado, é óptimo ter mais - e muito mais
saborosos - produtos para escolher. Mas também diz que porque tantas pessoas começaram
uma dieta sem glúten, a sua condição é, por vezes, levada menos a sério.
"Eu certamente sinto que tenho que me defender", diz Kraft, de 31
anos de idade. "Fico envergonhada quando digo que sou alérgica ao glúten,
porque sinto que as pessoas reviram os olhos. “Só mais um, a aderir à moda.”
E, embora muitos restaurantes atendam clientes sem glúten,
alguns colocam limites sobre o quão longe irão para acomodá-los. Peter Pastan,
dono dos restaurantes Etto, Obelisco e 2Amys, traça a linha na pizza sem
glúten. Não que as pessoas não a peçam. Elas pedem - quase todas as noites.
"É suficientemente difícil fazer uma boa pizza", diz Pastan. Então,
ele deu aos seus empregados uma resposta padrão para as investigações sem
glúten: "Eles dizem: você está absolutamente certo. Eu compreendo
perfeitamente o que me diz, mas o meu chefe é louco e não há nada que eu possa
fazer acerca disso. "
Hanson Cheng não presta muita atenção aos inimigos dos sem
glúten. Sentindo-se fora de forma há um par de anos atrás, juntou-se a um
ginásio CrossFit e passou a fazer a dieta Paleo, que consiste principalmente de
carne e legumes. Quando relaxou os seus padrões e tentou comer produtos à base
de trigo novamente, notou uma diferença quase imediata. "Poucos minutos
depois de comer, senti-me mal do estômago, fiquei inchado e sem energia. Isso só
me fez sentir muito mal", diz Cheng, de 33 anos de idade. Assim, tem
mantido o seu percurso sem glúten e, em Março, lançou o Green Spoon, um serviço que entrega refeições gourmet sem glúten às portas de 30 a 40 clientes locais a cada
semana. Em Maio, a empresa ganhou o prémio de melhor entrada no concurso Taste of Arlington, por um prato de
almôndegas mediterrânicas. Os pais de Cheng, que há muito trabalham em restaurantes
chineses, estão bastante orgulhosos. E também um pouco perplexos. "Eles
gostam que a empresa esteja bem", diz Cheng. "Mas, no fim, ainda
gostam de comida chinesa. Eles adoram o glúten. "
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