Mais vale tarde do que nunca: desde a 2ª Reunião Nacional de
Doença Celíaca, realizada em Braga a 10 de Maio deste ano, a que assisti, que
venho adiando sucessivamente um post
sobre o tema. A Reunião já tinha sido objecto de um outro post, em que se fazia anunciar, e agora merecia, à laia de
conclusão, um texto com as principais novidades.
O ponto alto da Reunião era, sem dúvida, a presença do Dr.
Alessio Fasano, mas todos os palestrantes acrescentaram algo à discussão com as
suas apresentações. No entanto, queria salientar os seguintes pontos:
- Das intervenções dos vários médicos presentes, apercebi-me
que estes acham que dar um diagnóstico de doença celíaca a um paciente é pior
do que condená-lo a uma temporada de trabalhos forçados na Sibéria. Não faltou
vontade de me levantar e explicar aos senhores doutores que mau, mau é viver
com os sintomas de doença celíaca anos a fio- a dieta sem glúten pode ser e é
realizável, saudável, e agradável para a maior parte daqueles que a praticam;
- Felizmente, a intervenção da APC, na pessoa da sua
presidente, foi bastante enfática na facilidade com que se segue uma dieta sem
glúten hoje em dia, e tão exuberantemente positiva que acho até que muitos dos
presentes saíram dali tristes por não serem celíacos;
- Aliás, graças ao almoço sem glúten para todos os presentes,
muitos já tinham ficado convencidos que uma alimentação sem glúten não tem que
ser cinzenta (o pãozinho do coffee break,
que seria talvez Valpiform ou Schar, é que não convenceu, mas já sabemos que o
pão é o mais difícil);
- Confirma-se que, fora do âmbito dos pediatras e
gastrenterologistas, a doença celíaca é uma desconhecida- durante as apresentações de
um dermatologista e de um médico de família, ambos declararam que, antes de fazerem a pesquisa para aquele evento, ignoravam a
prevalência da doença e as suas manifestações sistémicas. Ambos admitiram também que
provavelmente já teriam tido vários celíacos por diagnosticar nos seus
consultórios e que falharam no diagnóstico… Mas prometeram que iriam estar mais
atentos.
O Dr. Fasano fez duas apresentações, uma sobre a altura da
introdução do glúten e a outra sobre as tendências futuras na pesquisa sobre
doença celíaca. Os pontos-chave foram:
- A doença celíaca não é uma doença da gastrenterologia, é
sim uma doença sistémica;
- Antigamente, era uma doença fatal, pois cerca de 33 a 35%
dos celíacos morria das suas consequências;
- Genes e consumo de glúten são essenciais para que a doença
dispare, mas não são suficientes;
- Outros factores que se começam a conhecer- o papel da
amamentação, cesariana vs. parto normal, a maturidade da parede intestinal, a
altura da introdução do glúten e as alterações que trazem ao microbioma
intestinal de cada um (o Dr. Fasano alertou para o número de Junho do New England Journal of Medicine em que sairia um estudo sobre este tema);
- Em relação à introdução do glúten na alimentação do bebé,
os estudos diferem, pelo que, até agora, só é certo que nunca deva ocorrer
antes dos 4 meses;
- Entretanto, a instituição na qual trabalha o Dr. Fasano, o
Mass General Hospital for Children,
iniciou um estudo intitulado CDGEMM (Celiac
Disease Genomic Environmental Microbiome and Metabolomic) que visa estudar
o impacto do glúten no microbioma das crianças a longo prazo e a nível
internacional;
- Para o Dr. Fasano, o “Leaky
Gut Syndrome” (síndrome do intestino permeável) não existe e é um mito
propagado pelas medicinas alternativas;
- Para diagnosticar a doença celíaca, deve-se observar a
regra dos 4 em 5, ie, estabelece-se quando
estão presentes quatro dos 5 seguintes factores- análises positivas, genética
positiva, biópsia positiva, sintomatologia e resposta à dieta;
- A doença celíaca, sabe-se agora, é uma doença global e não
apenas apanágio dos povos ocidentais, começando a registar-se casos agora na
China, onde era uma doença rara, devido à alteração para uma dieta muito
baseada no trigo;
- Estão em fase de estudo alguns medicamentos, incluindo o
acetato de larazotide, desenvolvido pela equipa do Dr. Fasano, que pretende parar
a acção da zonulina. Este progrediu com sucesso através das fases iniciais
dos ensaios clínicos com a farmacêutica Alba
Therapeutics e, em breve, entrará na Fase III. Esta "pílula
celíaca" pode complementar a dieta e ser uma rede de segurança para evitar
os danos da contaminação cruzada, mas não será uma alternativa à dieta isenta
de glúten.
Resta reconhecer a excelente organização e o empenho pessoal
da Dra. Henedina Antunes, gastrenterologista pediátrica do Hospital de Braga,
em divulgar e educar a população em geral e os seus colegas sobre doença
celíaca. As apresentações podem ser conhecidas em detalhe no libreto “Medicina
da evidência na doença celíaca”, lançado durante a reunião.
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