quinta-feira, 26 de junho de 2014

Resumo da 2ª Reunião Nacional de Doença Celíaca

Mais vale tarde do que nunca: desde a 2ª Reunião Nacional de Doença Celíaca, realizada em Braga a 10 de Maio deste ano, a que assisti, que venho adiando sucessivamente um post sobre o tema. A Reunião já tinha sido objecto de um outro post, em que se fazia anunciar, e agora merecia, à laia de conclusão, um texto com as principais novidades.

O ponto alto da Reunião era, sem dúvida, a presença do Dr. Alessio Fasano, mas todos os palestrantes acrescentaram algo à discussão com as suas apresentações. No entanto, queria salientar os seguintes pontos:

- Das intervenções dos vários médicos presentes, apercebi-me que estes acham que dar um diagnóstico de doença celíaca a um paciente é pior do que condená-lo a uma temporada de trabalhos forçados na Sibéria. Não faltou vontade de me levantar e explicar aos senhores doutores que mau, mau é viver com os sintomas de doença celíaca anos a fio- a dieta sem glúten pode ser e é realizável, saudável, e agradável para a maior parte daqueles que a praticam;

- Felizmente, a intervenção da APC, na pessoa da sua presidente, foi bastante enfática na facilidade com que se segue uma dieta sem glúten hoje em dia, e tão exuberantemente positiva que acho até que muitos dos presentes saíram dali tristes por não serem celíacos;

- Aliás, graças ao almoço sem glúten para todos os presentes, muitos já tinham ficado convencidos que uma alimentação sem glúten não tem que ser cinzenta (o pãozinho do coffee break, que seria talvez Valpiform ou Schar, é que não convenceu, mas já sabemos que o pão é o mais difícil);

- Confirma-se que, fora do âmbito dos pediatras e gastrenterologistas, a doença celíaca é uma desconhecida- durante as apresentações de um dermatologista e de um médico de família, ambos declararam que, antes de fazerem a pesquisa para aquele evento, ignoravam a prevalência da doença e as suas manifestações sistémicas. Ambos admitiram também que provavelmente já teriam tido vários celíacos por diagnosticar nos seus consultórios e que falharam no diagnóstico… Mas prometeram que iriam estar mais atentos.

O Dr. Fasano fez duas apresentações, uma sobre a altura da introdução do glúten e a outra sobre as tendências futuras na pesquisa sobre doença celíaca. Os pontos-chave foram:

- A doença celíaca não é uma doença da gastrenterologia, é sim uma doença sistémica;
- Antigamente, era uma doença fatal, pois cerca de 33 a 35% dos celíacos morria das suas consequências;
- Genes e consumo de glúten são essenciais para que a doença dispare, mas não são suficientes;
- Outros factores que se começam a conhecer- o papel da amamentação, cesariana vs. parto normal, a maturidade da parede intestinal, a altura da introdução do glúten e as alterações que trazem ao microbioma intestinal de cada um (o Dr. Fasano alertou para o número de Junho do New England Journal of Medicine em que sairia um estudo sobre este tema);
- Em relação à introdução do glúten na alimentação do bebé, os estudos diferem, pelo que, até agora, só é certo que nunca deva ocorrer antes dos 4 meses;
- Entretanto, a instituição na qual trabalha o Dr. Fasano, o Mass General Hospital for Children, iniciou um estudo intitulado CDGEMM (Celiac Disease Genomic Environmental Microbiome and Metabolomic) que visa estudar o impacto do glúten no microbioma das crianças a longo prazo e a nível internacional;

- Para o Dr. Fasano, o “Leaky Gut Syndrome” (síndrome do intestino permeável) não existe e é um mito propagado pelas medicinas alternativas;
- Para diagnosticar a doença celíaca, deve-se observar a regra dos 4 em 5, ie, estabelece-se quando estão presentes quatro dos 5 seguintes factores- análises positivas, genética positiva, biópsia positiva, sintomatologia e resposta à dieta;
- A doença celíaca, sabe-se agora, é uma doença global e não apenas apanágio dos povos ocidentais, começando a registar-se casos agora na China, onde era uma doença rara, devido à alteração para uma dieta muito baseada no trigo;
- Estão em fase de estudo alguns medicamentos, incluindo o acetato de larazotide, desenvolvido pela equipa do Dr. Fasano, que pretende parar a acção da zonulina. Este progrediu com sucesso através das fases iniciais dos ensaios clínicos com a farmacêutica Alba Therapeutics e, em breve, entrará na Fase III. Esta "pílula celíaca" pode complementar a dieta e ser uma rede de segurança para evitar os danos da contaminação cruzada, mas não será uma alternativa à dieta isenta de glúten.


Resta reconhecer a excelente organização e o empenho pessoal da Dra. Henedina Antunes, gastrenterologista pediátrica do Hospital de Braga, em divulgar e educar a população em geral e os seus colegas sobre doença celíaca. As apresentações podem ser conhecidas em detalhe no libreto “Medicina da evidência na doença celíaca”, lançado durante a reunião.


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