quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O iceberg

Já aqui falei sobre o problema da dificuldade em fazer diagnósticos da intolerância ao glúten: seja porque os médicos não estão devidamente informados ou porque os actuais métodos de diagnóstico não são suficientemente sensíveis para detectar todos os casos, o facto é que prevalece a teoria do iceberg quando se fala em doença celíaca ou intolerância ao glúten. Esta imagem explica a teoria e reflecte a noção de que existem cerca de noventa mil pessoas, em Portugal, por diagnosticar:


Definições dos diferentes estádios segundo este artigo americano:

"Clássico
A doença celíaca clássica é a forma mais comumente descrita: são pacientes com as características clássicas de má absorção intestinal, que desenvolveram atrofia total das vilosidades induzida pelo glúten e outras características histológicas clássicas. Estes pacientes apresentam sintomas gastrointestinais.
Atípico
A doença celíaca atípica parece ser a forma mais comum: estes pacientes geralmente têm poucos ou nenhum sintoma gastrointestinais, mas chamam a atenção dos médicos por causa de outras razões, como a deficiência em ferro, osteoporose, baixa estatura, ou infertilidade. Estes pacientes em geral desenvolveram atrofia total das vilosidades induzida pelo glúten. Na sua maioria e como estes pacientes são "assintomáticos" do ponto de vista gastrointestinal, não são diagnosticados.
Silencioso
A doença celíaca silenciosa refere-se a pacientes assintomáticos que se descobre terem desenvolvido atrofia total das vilosidades induzida pelo glúten. São descobertos após um rastreio serológico ou talvez durante uma endoscopia com biópsia por outras razões. Estes pacientes são clinicamente silenciosos porque não manifestam quaisquer sintomas gastrointestinais evidentes ou características atípicas de doença celíaca, como a deficiência de ferro ou a osteoporose.
Latente
A doença celíaca latente apresenta-se em pacientes com diagnóstico prévio de doença celíaca que responderam a uma dieta isenta de glúten e que mantém uma histologia normal da mucosa ou manifestam apenas um aumento de linfócitos intra-epiteliais. A doença celíaca latente também pode representar pacientes que, actualmente, têm uma mucosa intestinal normal fazendo uma dieta que contenha glúten, mas que irá posteriormente desenvolver a doença celíaca.
Refractário
A doença celíaca refractária representa os pacientes com doença celíaca real (ou seja, que não é um erro de diagnóstico) que não respondem ou já não respondem a uma dieta isenta de glúten. Alguns destes pacientes desenvolvem complicações como jejunoileite ulcerativa ou enteropatia associada ao linfoma de células T."

Em alguns países, esta diferença tem-se vindo a atenuar muito por força de maior divulgação da doença e pela organização de rastreios de rotina. Por exemplo, já li aqui, mas ainda não encontrei confirmação em sites italianos, que, em Itália, todas as crianças fazem o rastreio por volta dos 6 anos.

Recentemente, encontrei um documento do NICE (National Institute for Health and Clinical Excellence), do Reino Unido. Esta é uma organização independente responsável pela criação de orientações a nível nacional para a promoção da boa saúde e prevenção e tratamento da doença. Neste documento pode-se ler quais as orientações da NICE para aplicação pelo Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS) no diagnóstico da intolerância ao glúten.

Se estas orientações fossem seguidas em Portugal, apesar do custo financeiro que acarretaria, de certeza que não ficaria um doente celíaco por diagnosticar. Deixo um excerto desse documento para que, pelo menos, nós consigamos perceber quem poderá andar abaixo da linha de água do iceberg celíaco.

“Esta orientação representa a visão do NICE, a que se chegou após uma avaliação cuidadosa das evidências disponíveis. Os profissionais de saúde devem levá-la plenamente em conta quando exercerem o seu juízo clínico.

PROPONHA testes sorológicos a crianças e adultos com algum dos seguintes sinais, sintomas e condições:

Sinais e sintomas
Diarreia crónica e intermitente
Atraso no crescimento nas crianças
Sintomas gastrointestinais persistentes e inexplicados tais como náuseas e vómitos
Fatiga prolongada
Dores, cólicas e distensão abdominais persistentes
Perda de peso súbita
Anemia por deficiência de ferro ou outro tipo de anemia não explicada
Condições
Tiroidite auto-imune
Dermatite herpetiforme
Síndrome do Intestino Irritável
Diabetes tipo 1
Parentes de primeiro grau (pais, irmãos e filhos) de doentes celíacos

PONDERE propor testes sorológicos a crianças e adultos com alguma das seguintes condições:

Doença de Addison
Amenorreia
Estomatite Aftosa (aftas)
Condições auto-imunes do fígado
Miocardite auto-imune
Trombocitopenia púrpura crónica
Defeitos no esmalte dos dentes
Depressão ou desordem bipolar
Síndrome de Down
Epilepsia
Fracturas por traumatismo mínimo
Linfoma
Doença metabólica dos ossos (tais como raquitismo ou osteomalacia)
Colite microscópica
Obstipação persistente ou inexplicada
Enzimas do fígado permanentemente elevadas sem causa aparente
Polineuropatia
Abortos recorrentes
Densidade mineral óssea reduzida
Sarcoidose
Síndrome de Sjögren
Síndrome de Turner
Alopecia inexplicada
Sub-fertilidade inexplicada”

Outros artigos:
Este artigo italiano reflecte esta realidade do iceberg. No resumo inicial deste estudo que pretendia aferir a ocorrência de DC numa população escolar através de análises de anti-corpos específicos em saliva, refere-se que:
"46 indivíduos tinham tTGAb salivar positivo e 16 estavam na linha de fronteira. 45/46 e 5/15 deles tinham também soro positivo. 42 crianças apresentaram atrofia das vilosidades do duodeno sendo que apenas uma tinha lesões do tipo 1. Três crianças iniciaram uma dieta isenta de glúten sem a realização de endoscopia. A prevalência de DC (onde se incluiu 23 crianças previamente diagnosticadas) foi de 1,2%. Considerando todos os 65 celíacos da nossa amostra, foi encontrada DC silenciosa em 64%, típica em 28%, atípica em 7% e potencial em 1%. Todos os pacientes apresentaram estrita adesão à dieta, com aumento de peso e estatura e melhoria do bem-estar."

Atypical Manifestations of Celiac Disease

2 comentários:

  1. É curioso, não conhecia esta imagem do iceberg. Mas realmente se se pode ligar a intolerância ao glúten a todas essas condições, pode haver muita gente por diagnosticar. Vou imprimir para mostrar a quem acha que eu desencanto potenciais celíacos em todo o lado! Obrigada pela info.

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  2. Obrigada pelo comentário. Pois é, parece que às vezes temos de fazer o papel de médicos ;-)

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